Ainda há tempo: como participar da ação coletiva na Holanda contra Vale e Samarco pelo desastre de Mariana

Fachada do Tribunal Distrital de Amsterdã.

Índice

Introdução

Quase dez anos se passaram desde o rompimento da Barragem de Fundão, em Mariana (MG), e a busca por reparação ainda faz parte da rotina de milhares de famílias. A lama tóxica que percorreu mais de 600 km pelo Rio Doce não destruiu apenas casas, colheitas e empresas; ela abalou a confiança de comunidades inteiras na promessa de justiça.

Mesmo com acordos indenizatórios no Brasil e com a ação já em fase avançada no Reino Unido contra a BHP, muitos atingidos permanecem sem compensação integral. Foi nesse contexto que, em março de 2024, o escritório internacional Pogust Goodhead protocolou no Tribunal Distrital de Amsterdã uma nova ação coletiva contra Vale S.A. e Samarco Iron Ore Europe B.V. A iniciativa abriu uma janela estratégica para quem não ingressou no processo britânico.

Este artigo detalha os fundamentos jurídicos da ação holandesa, quem pode participar, quais documentos são necessários, prazos relevantes e o que se pode esperar em termos de valores. O objetivo é fornecer informação clara, precisa e fundamentada, para que cada leitor avalie, com a orientação de um advogado de confiança, se faz sentido aderir.

Fachada do Tribunal Distrital de Amsterdã.
Tribunal Distrital de Amsterdã – Holanda

1. Contexto histórico do desastre e das ações judiciais

 O rompimento da Barragem de Fundão

Em 5 de novembro de 2015, a estrutura de rejeitos mantida pela Samarco – joint venture de Vale e BHP – falhou de forma catastrófica. O volume despejado equivaleu a 25 mil piscinas olímpicas, soterrando o distrito de Bento Rodrigues, chegando ao litoral do Espírito Santo e impactando diretamente 39 municípios. Estima‑se que 19 pessoas perderam a vida e cerca de 700 mil sofreram danos econômicos ou ambientais.

Acordos e programas indenizatórios no Brasil

Nos anos seguintes, firmou‑se o Programa de Indenização Mediada (PIM) e, depois, o Programa Indenizatório Definitivo (PID), com valores padronizados:

  • R$ 35 mil para pessoas físicas ou microempresas;

  • R$ 95 mil para pescadores profissionais e agricultores familiares que comprovem atividade.

A plataforma de cadastro para o PID permanece aberta até 26 de maio de 2025 e a Samarco assumiu a meta de concluir todos os pagamentos até dezembro de 2026. Embora represente um avanço, muitos atingidos consideram esses montantes insuficientes para recompor perdas patrimoniais, psicológicas e de renda.

A ação coletiva no Reino Unido

Paralelamente, mais de 700 mil demandantes moveram ação na High Court de Londres contra a BHP. O processo discute danos estimados em £ 36 bilhões. Contudo, o prazo para novos ingressos encerrou‑se e o tribunal já analisa mérito e quantificação de prejuízos. Quem perdeu o prazo não pode mais aderir.

Por que uma nova ação na Holanda?

O direito holandês prevê o WAMCA (Wet Afwikkeling Massaschade in Collectieve Actie), um mecanismo moderno de resolução coletiva. Diferentemente do sistema brasileiro, ele possibilita:

  • Representação unificada de vítimas com custos diluídos;

  • Execução em toda a União Europeia;

  • Bloqueio de ativos de empresas rés localizadas no bloco;

  • Sentenças com valores alinhados a padrões internacionais de dano moral e ambiental.

Adicionalmente, um acordo interno entre Vale e BHP garante que, caso haja condenação na Holanda, a BHP arcaria com 50 % do valor fixado, aumentando a segurança financeira do cumprimento.

Fundamentos jurídicos da ação holandesa

A petição inicial, apresentada em março de 2024, sustenta que Vale e Samarco:

  1. Descumpriram deveres de diligência na gestão da barragem;

  2. Violaram normas internacionais de direitos humanos ao permitir risco à vida e à saúde;

  3. Praticaram omissão culposa ao ignorar alertas técnicos sobre a estabilidade da estrutura;

  4. Causaram dano transnacional, visto que rejeitos alcançaram o mar territorial brasileiro e, potencialmente, correntes oceânicas que afetam águas sob jurisdição internacional.

A legislação holandesa admite a responsabilidade civil de empresas estrangeiras quando há conexão econômica ou societária no país. A Samarco Iron Ore Europe B.V., subsidiária baseada em Amsterdã, atende esse requisito.

Quem pode participar da ação

CritérioExigência
ResidênciaMoradores (à época ou atualmente) de áreas impactadas pelo rompimento, em MG ou ES.
IdadePessoas de qualquer idade, inclusive menores de 16 anos em novembro de 2015 (neste caso, representados pelos responsáveis legais).
Situação processualNão ter ingressado na ação do Reino Unido contra a BHP.
Natureza do danoPerdas materiais (imóveis, móveis, lavoura), interrupção de renda, danos à saúde, dano moral, dano coletivo ambiental.

Empresas de pequeno e médio porte, associações comunitárias, colônias de pescadores e agricultores familiares também são elegíveis, desde que demonstrem prejuízo direto.

Documentação necessária

  1. Documento de identificação (RG ou CPF; passaporte para residentes no exterior).

  2. Comprovante de residência de 2015 ou declaração de vizinhos/autoridades locais.

  3. Provas de dano: fotos, notas fiscais de perda, laudos médicos, extratos bancários que mostrem queda de faturamento.

  4. Procuração outorgando poderes ao escritório de advocacia responsável.

  5. Formulários oficiais da ação holandesa, preenchidos online.

Caso você não possua alguns desses itens, é possível anexar declarações substitutivas, mas quanto mais robusta a prova, maior a chance de indenização justa.

Ação indenizatória Holanda
Ação indenizatória Holanda

Quanto se pode receber

Ainda não há valores fixados, mas decisões recentes da justiça holandesa indicam critérios rigorosos de cálculo:

  • Danos emergentes – reposição de bens materiais destruídos;

  • Lucros cessantes – renda que deixou de ser auferida (ex.: pescadores impedidos de trabalhar);

  • Dano moral individual – sofrimento psicológico, perda de projeto de vida;

  • Dano moral coletivo – ofensa à coletividade atingida;

  • Dano ambiental – custos de restauração ecológica.

Peritos independentes serão nomeados pelo tribunal para quantificar impactos socioeconômicos. Se condenadas, as rés podem ser obrigadas a pagar correção monetária europeia (frequentemente baseada no índice de preços ao consumidor da zona do euro) e juros compensatórios.

Comparativo entre as vias de reparação

AspectoPID no BrasilAção Reino UnidoAção Holanda
AdesãoPlataforma online até 26 mai 2025Prazo encerradoEm andamento, sem data‑limite oficial
Ré(s)SamarcoBHPVale e Samarco (BHP paga 50 % se houver condenação)
Valor baseR$ 35 mil / R$ 95 milA definir pelo juiz inglêsA definir pelo juiz holandês
Custas iniciaisZeroZeroZero
Tempo estimadoAté dez/2026Sentença esperada 20252–5 anos (com possibilidade de adiantamentos)
RequisitosResidir em área atingidaIdem + não ter entrado em acordo no BrasilNão ter entrado na ação do Reino Unido

O PID pode ser cumulativo com a ação holandesa, pois não envolve as mesmas rés nem abrange todos os tipos de dano.

Prazos relevantes

  • 31 agosto 2024 (recomendação do escritório) – Data sugerida para envio de documentos e garantia de inclusão na petição consolidada.

  • 26 maio 2025 – Encerramento da plataforma do PID.

  • Dezembro 2026 – Prazo interno da Samarco para concluir pagamentos do PID.

  • Sem “cut‑off” oficial – O tribunal holandês ainda pode definir uma data final; quem ingressar antes evita risco de exclusão.

Perguntas frequentes

É preciso viajar para a Holanda?
Não. Todo o trâmite é eletrônico e os advogados locais representam o grupo.

Terei de pagar honorários agora?
Não. Os custos iniciais são cobertos pelo consórcio de escritórios. Honorários só incidem em caso de sucesso.

Recebi parte do PID. Posso entrar na Holanda?
Sim. O PID não quita obrigações de Vale e Samarco fora do Brasil. Apenas quem assinou quitação total (casos raros) deve analisar com cuidado.

Posso desistir depois?
Há um período de “opt‑out” previsto pela lei holandesa. Após a sentença, quem não se opuser ficará vinculado ao resultado.

Quanto tempo até o dinheiro cair na conta?
Processos de massa na Europa levam, em média, 3 a 5 anos. No entanto, acordos parciais ou decisões interlocutórias podem gerar pagamentos antecipados.

Conclusão

A ação coletiva em Amsterdã representa, talvez, a última grande oportunidade de exigir reparação ampla, justa e internacionalmente executável pelo desastre de Mariana. A combinação de jurisdição favorável, possibilidade de bloqueio de ativos na União Europeia e responsabilidade solidária da BHP aumenta as chances de uma indenização significativa.

Avalie, com cautela e orientação jurídica, se você se enquadra nos requisitos. Quanto mais cedo ingressar, mais robusto será o dossiê de provas e menor o risco de ficar fora da lista principal de demandantes.

10.Contato institucional

Este texto tem caráter meramente informativo. Para análise personalizada do seu caso, consulte um advogado regularmente inscrito na OAB e da sua confiança. Se desejar receber orientações sobre documentação ou prazos da ação na Holanda, PID ou outros assuntos relacionados, o escritório mantém atendimento e informativos pelos seguintes canais oficiais:

  • LINK do GRUPO

Os atendimentos são prestados de acordo com as normas éticas da Ordem dos Advogados do Brasil.

 

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